Procrastinar é o que há -n

Mark retornou para a Enfermaria. Dennis cochilava tranquilamente em sua cama, um sorrisinho bobo estampado no rosto.

— Chegaí, gatinha~ — murmurou, falando durante seu sono.

O loiro puxou o lençol de cima do meio-irmão, rude.

— Levante-se. Agora.

Dennis resmungou, virando-se para o outro lado.

— Só mais cinco minutinhos...

Nisso, Mark virou a cama, derrubando o garoto sardento no chão. Ele gemeu de dor, encarando o outro.

— Qual a necessidade disso, cara?!

— Você tem trabalho à fazer. Eu o acompanhei naquela atividade estúpida. Agora, vocês dois vão me ajudar. — ele então encarou Elisa, cruzando os braços impacientemente. — Levante-se você também. E rápido.

Dennis afagou as costas. Pareceu surpreso com a oferta de Elisa, dando um sorrisinho e levantando-se com sua ajuda.

— Obrigada, gatinha rs

Mark revirou os olhos. Estavam perdendo tempo.

— Rápido. Não tenho o dia todo.

Então, saiu dali apressado.

— E-Ei! Espere!

O garoto sardento tratou de ir atrás do meio-irmão, que já estava fora da Casa Grande. Ele parecia muito preocupado.

— O que aconteceu, irmãozão? Pra onde você foi?

Mark suspirou pesadamente.

— Reunião do Conselho.

— Conselho...? Do que vocês falaram?

O loiro o fuzilou com os olhos.

— Sobre o incêndio que você causou. — respondeu, curto e grosso.

Dennis baixou o olhar, sentindo-se culpado. Pelo jeito, havia causado um problemão e tanto.

— ... Me desculpe, irmãozão. Tipo, mesmo.

Mark pareceu ignorar o pedido de desculpas, apressando ainda mais o passo. Queria logo chegar até as Forjas e trabalhar um pouco.

Dennis engoliu em seco.

— E-Eu... serei punido?! — guinchou, as pernas bambas.

— Não. Consegui convencer o comitê a dar uma segunda chance para você... — ele suspirou pesadamente, soando cansado. — Me escolheram para treiná-lo. Agora, sou seu responsável. Se você fizer uma coisinha errada... Eu vou sofrer as consequências dos seus atos, e acredite, você vai sofrer em dobro...

Dennis gaguejou.

— H-Hã... S-Sim, senhor...?

— ... Vamos discutir isso depois. — então, lançou um olhar à Elisa. — Por ora, temos trabalho à fazer...

Eles finalmente chegaram às Forjas. Thiago trabalhava incansavelmente, encharcado de suor. Nem sequer notou a presença dos três campistas ali.

— Eaí, Thiago. — começou Mark. — Sinto muito pela sumida... Sério mesmo.

O garoto negro abriu um grande sorriso.

— Ah, cara! De boa! — ele acenou para Dennis. — Eaí? Tudo certo? — e então, ergueu uma sobrancelha ao ver Elisa. — E a mocinha, quem seria?

Ao ver que estava na presença de uma garota, Thiago tirou os óculos de proteção e as luvas, deixando o avental sujo de lado. Limpou as mãos e o rosto sujo de fuligem, aproximando-se de Elisa e estendendo o braço num cumprimento.

— Thiago Meireles, filho de Hefesto, ao seu dispor. Pelo jeito você já conhece meus dois irmãos, não é? — ele riu baixo. — Prazer em conhecê-la. Deve ser difícil aturar Mark, hã? Sabe, ele não tem muito jeito com garotas... Mas é um cara legal!

Mark apenas revirou os olhos, sem paciência.

Thiago franziu o cenho, parecendo curioso.

— Ajudar Mark? — ele então fitou o tal. — Tipo, trabalhar nas Forjas?

Mark assentiu sutilmente.

— Uau! Faz tempo que algum outro campista que não seja do chalé 9 aparece por aqui! — ele sorriu, botando os óculos de proteção. — Pegue leve com ela, hein, Mark?

O loiro não prometeu nada.

— ... Tire uma folga, Thiago. Eu cubro seu horário.

— Hein!?

— Você deve ter trabalho duro hoje pra compensar minha falta... Pode deixar que fico com seu trabalho. Da semana inteira.

Thiago riu-se.

— Não seja idiota, cara.

Mark insistiu. A vontade que tinha para trabalhar era incrível. Chegava até a ser doentia.

— Sério, Thiago. Deixe tudo comigo.

— Bem, se você insiste tanto, você pode trabalhar por mim amanhã de manhã enquanto eu tiro uma folga, ok?

O loiro assentiu.

— Muito bem. Fechado.

Os dois apertaram as mãos. Mark abafou um grunhido, sentindo a dor das queimaduras na palma de sua mão, mas tratou de ignorá-la. Não podia mais perder um minuto de trabalho.

— Eu ainda tenho umas armas para terminar... — o garoto negro calçou as luvas e amarrou o avental sujo na cintura. — Divirtam-se na Forja, crianças!

Ele acenou, retornando ao trabalho. Mark voltou-se para Elisa e Dennis.

— Vocês nunca trabalharam num lugar assim antes, não é? — indagou, soando um tanto retórico. — Sabem como uma Forja opera?

Mark olhou para Dennis e Elisa intensamente, avaliando-os. Talvez não fosse uma boa ideia deixar que forjassem; eram capazes de atrapalhar mais do que ajudar... especialmente Dennis.

— Hm... — ele olhou ao redor da Forja, procurando algo que os dois pudessem fazer. Foi então que viu uma pilha de armas amontoadas, que iam de simples adagas à espadas ricamente detalhadas. Parecia que Thiago não teve tempo de levá-las até o Arsenal, já que precisou trabalhar em dobro para compensar sua falta hoje de manhã... — Então vendo aquelas armas? — o filho de Hefesto apontou para a pilha. — Quero que levem elas até o Arsenal e que guardem-nas. Há lugares específicos para cada arma; guardem cada uma em seu duvido lugar.

O garoto sardento assentiu a cabeça, animado com sua tarefa.

— Pode deixar, irmãozão! — então, voltou-se para Elisa. — Vamos lá, Elisa! Rápido!

Dennis pegou algumas espadas, tomando cuidado para não se cortar com suas lâminas afiadas. Ao pegar uma arma debaixo da pilha, várias outras caíram pelo chão, espalhando-se pela Forja. Antes que levasse uma bronca, o ruivo saiu correndo dali em direção ao Arsenal.

Mark pegou um avental e luvas, sem esquecer dos óculos de proteção, e foi até uma bancada de trabalho, pensando no que fazer primeiro.

Os dois chegaram até o Arsenal. Alguns campistas entravam e saíam de lá, provavelmente procurando por alguma arma para seus treinos.

Dennis quase tropeçou várias vezes durante o trajeto, mas conseguiu chegar ileso até o lugar. O chão estava totalmente sujo de barro e grama. Havia muita poeira em tudo, e vários campistas deixavam as armas que tinham pego emprestadas jogadas em qualquer lugar, no maior desleixo.

— Cara, se Mark visse o estado desse lugar... — o ruivo lançou um olhar à Elisa, sentindo um arrepio só de pensar no que o meio-irmão seria capaz de fazer. — Onde que é que eu guardo as espadas...?

Ele entrou no Arsenal. Era bem espaçoso, mas tinha que tomar cuidado por onde andava para não tropeçar em algo. Plaquetas de bronze demarcavam o local onde espadas, adagas, lanças e escudos deveriam ficar, então Dennis deixou suas espadas em seu devido lugar, organizando-as da melhor maneira que conseguiu.

— Uau!! Isso aqui tá uma zona! — reclamou, pisando num escudo e caindo de bunda no chão. Ele deu um gritinho, sentindo-se ainda mais dolorido do que já estava.

Dennis engatinhou até as armas que a garota havia derrubado no chão, ajudando-a a guardar tudo.

— E olha que ontem de noite ele arrumou tudinho! Não é a toa que ele é mau humorado daquele jeito... Se fizessem isso com meu quarto, eu também ia ficar muito puto!

Ele recolheu o escudo em que havia pisado, analisando-o e colocando-o em seu devido lugar. Também recolheu todas as outras armas que estavam espalhadas pelo Arsenal, tratando de organizá-lo direitinho.

— Hm... Talvez poderíamos limpar o lugar? Tem tanta sujeira aqui!

O garoto então notou uma pequena portinha, que dava para um armário. Lá, haviam panos, baldes e esfregões. Pegou o balde, analisando-o.

— Vou pegar um pouco de água para lavar o chão! Será que você pode ir tirando o pó das prateleiras, Elisa?

Dennis logo retornou com o balde cheio de água. Com cuidado para não derrubá-lo, entrou no Arsenal e pegou um esfregão, começando então a limpar toda a lama do piso.

— Mas e então, Elisa? Quem era aquela gatinha veterana que foi sua dupla durante a caçada? — perguntou, muito interessado na tal "garota".

Dennis parou subitamente de esfregar o chão, voltando-se na direção de Elisa.


— O. QUEEEEEEE. — gritou, sem acreditar no que a garota tinha dito. — Peraí... Aquela ruiva que tava com você era... ERA UM HOMEM?!?!

O garoto sardento choramingou, abraçando o esfregão e se derramando em lágrimas, o coração partido.

— MASMAS... EU JURAVA QUE ERA AMOR A PRIMEIRA VISTAA!! E O PIOR É QUE ELE TEM UM CABELO RUIVO AINDA MAIS BONITO QUE O MEEEU!!

O ruivo logo se recompôs, abrindo um grande sorriso e fazendo pose.

— Ah, Elisa, Elisa... Quando você se apaixonar algum dia, você saberá... — ele suspirou profundamente, romântico, abraçando o esfregão e dançando com ele. — Estar apaixonado é... demais! Ah, mas você perde tantas noites de sono pensando na pessoa amada... Mas quando vocês ficam juntos, é apenas arco-íris, borboletas, e duendes felizes!! Você anseia todo segundo para beijar os lábios da sua alma gêmea, que são doces como algodão-doce... Ah, Elisa, quando você se apaixonar, você vai ver...

Ele voltou a limpar o chão, cantarolando alegremente. Bem, a verdade era que nunca tinha se apaixonado mesmo por alguém, ou melhor, ninguém tinha mostrado interesse nele. Mas gostava de imaginar como seria a sensação de estar apaixonado por alguém, que deveria ser tão bom quanto comer pipoca caramelizada e assistir o filme da Mulan três vezes seguidas no mesmo dia.

— Ah, pode deixar, Elisa! Também estou quase acabando... — ele enfiou o esfregão no balde. — Você notou que Mark pareceu não gostar muito do Julien? Por quê será?

Dennis terminou de limpar o chão, pensativo. O que Elisa tinha dito parecia fazer sentido...

— Uau! Você realmente sabe bastante coisa sobre mitologia, Elisa! — ele deu um sorrisinho, tratando de jogar a água imunda do balde fora. Guardou o balde e o esfregão limpo no armário, aproximando-se da
garota. — Ele também não pareceu gostar muito de Nelson... Será por causa do pai dele, Ares? Bem, mesmo sendo filho de Hefesto, eu não tenho raiva dos filhos de Afrodite. Tipo, sei lá, tecnicamente, meu pai também trai Afrodite com humanas, não? Se não fosse esse o caso, eu não estaria aqui! — o garoto sardento riu. — Acho que Mark leva as coisas a sério demais... Tipo, o trabalho dele nas Forjas, e seu trabalho como líder do chalé 9... Tudo bem a pessoa gostar de trabalhar, mas acho que ele leva as obrigações dele um pouquinho à sério demais... Até parece que ele é casado com o trabalho dele! Ele precisa relaxar de vez enquanto, cara!

— Legal! Minha mãe também gostava bastante de ler sobre mitologia... Ela tinha muitos livros lá em casa! E ela também ficava muito brava quando eu botava fogo em algum livro sem querer...

Dennis tratou logo de mudar de assunto.

— Acho que o Mark vai ficar feliz em ver que arrumamos o Arsenal! Ainda falta trazer algumas armas, né? Que tal voltarmos para as Forjas, Elisa?

Assim sendo, os dois retornaram para as Forjas. Logo que entraram ali, ouviram um grito grave. Mark havia derrubado uma espada longa no chão, emitindo um alto ruído metálico. Faíscas voaram. Ele agitou as mãos, parecendo sentir muita dor.

Thiago correu até o meio-irmão, tirando os óculos de proteção.

— Mark?! Cara, o que aconteceu?? — indagou, assustado. Afinal, o outro sempre fora muito cuidadoso no trabalho. Nunca tinha o visto derrubar uma arma sequer.

Mark afastou-se, tentando disfarçar a dor que sentia. Deixou seu martelo de trabalho cair também, xingando alto.

— Irmãozão?! O que houve?? — Dennis gritou, correndo até Mark. Olhou então para Thiago, assustado. — O que que deu?

Thiago deu de ombros. Pelo jeito, estava tão confuso quanto Dennis.

— Eu... Sei lá. Do nada, o Mark derrubou a espada que ele tava fazendo e... — ele franziu o cenho, ainda sem acreditar naquilo. Foi então que notou que o loiro ainda agitava as mãos, estranhamente. — O que foi, cara? Aconteceu alguma coisa com suas mãos??

Mark negou.

— Não aconteceu nada. Eu só... me distraí. — inventou, soando falso.

Mark, distraindo-se durante o trabalho...? Ok. Aquilo sim era algo estranho.

— Não há nada de errado com as minhas mãos. — grunhiu, teimoso. — Agora, se me dão licença... Tenho trabalho à fazer.

Mark pegou o martelo que havia derrubado no chão, gritando de dor. Deixou a ferramenta cair outra vez, sentindo a palma de suas mãos arderem. Podia jurar que sangue escorria dali.

— Ok, cara. Fique sentadinho aí. — Thiago segurou os ombros do meio-irmão, forçando-o a se sentar numa banqueta. Ajuntou o martelo do chão, tirando então as luvas de Mark.

A palma de suas mãos estavam queimadas. As costas das mãos e parte dos pulsos também, mas a queimadura era pior na região das palmas. Não parecia ser um ferimento muito grave, pois não haviam bolhas, mas sangue vertia dali aos montes. Parecia bem doloroso.

Dennis cobriu a boca ao ver sangue, subitamente enjoado.

— "Não há nada de errado com as minhas mãos"... — repetiu Thiago, desdenhoso. — O escambal. Como que você pode trabalhar nesse estado, hein??

O garoto negro bufou, parecendo irritado. Foi até um armário velho, tirando de lá um kit de primeiros socorros, que deu para Dennis segurar. Então, ajoelhou-se em frente à Mark, tirando as luvas e segurando as mãos dele.

— ... FILHO DA PUTA!! — gritou o loiro, recolhendo suas mãos.

— Cale a boca, seu mulherzinha. — rosnou Thiago, sem saco para frescuras.

Ele tentou agarrar as mãos de Mark, mas ele não deixou. As mãos de Thiago eram grandes e ásperas assim como as dele, nem um pouco delicadas. Quando ele segurou suas mãos, doeu, e muito.

Dennis observava tudo apavorado. Estava extremamente pálido, parecendo prestes a desmaiar à qualquer instante. Ele fitava o sangue que escorria das mãos do meio-irmão intensamente, incapaz de desviar o olhar.