— O que você acha que nos espera lá dentro?
Ryan não tirava os olhos da floresta à sua frente, esperando qualquer movimento ou tentando distinguir o vulto de um monstro.
Do seu lado, agachada na grama e rabiscando em um quadro magnético branco, estava Rose. Logo que terminou mostrou ao garoto o que tinha feito. Tratava-se de um plano, uma estratégia que a menina conseguira pensar na hora, apesar de todo o nervosismo.
— Ah, vamos fazer aquilo de novo? — Indagou Ryan pegando o quadro. Naquela manhã, Rose tinha lhe mostrado que também podia usar o quadro para se comunicar.
Estava todo preenchido com caneta preta. Em cima, em letra pequena – que o garoto precisou se esforçar bastante para entender – estava escrito:
ESTRATÉGIA. O restante do quadro continha um desenho. Um rabisco preto que parecia ter chifres estava no centro e circundado por árvores. O rabisco parecia olhar zangado para uma pessoa que estava desenhada logo à frente. Rose indicou o chapéu no desenho e Ryan deduziu que era ele. Perto das árvores e atrás do monstro-rabisco tinha outra pessoa. Ryan então entendeu que aquela era Rose, que ficaria atrás, escondida entre as árvores, para lhe dar suporte.
O pequeno assentiu e quando percebeu que já era hora de começar ficou tão animado que correu em direção à floresta, gritando para Rose:
— Vamos! Não vá ficar pra trás!
••••••
Rose não sabia dizer quantos minutos tinham se passado desde que se vira cercada pelas enormes árvores da floresta. A densidade de galhos e folhas permitia que pouca luminosidade chegasse ao chão. A garota já não sabia se tremia devido à umidade do local ou se era por pavor do monstro que poderiam encontrar.
Mas sabia que não estavam sozinhos.
Vez ou outra escutava sons de batalhas. Assustava-se toda vez, mas então Ryan começava a correr para uma direção contrária gritando que queria achar um monstro só para ele. O garoto parecia ver tudo como uma competição.
No começo era mais cuidadoso: olhava para todos os lados, esperando algum monstro pequeno pular em sua cara. Agora, já impaciente, quase corria por entre as árvores, pisando ruidosamente sobre folhas e galhos. E sempre reclamava.
Sobrava para Rose seguir o novato e explicar uma ou outra coisa sobre localizar um inimigo. Ele não podia deixar as emoções subirem à cabeça daquele jeito! Mas, era difícil. Rose estava até pensando em escolher uma tarde depois dessa caçada só para ensinar ao mais novo regras básicas de sobrevivência. Como mais velha e veterana, sentia que esse era o seu dever.
Depois de andarem mais um pouco, os dois campistas perceberam que uma enorme figura se mexia entre as árvores. Estava a alguns metros deles.
Rose puxou Ryan para trás de um tronco quando percebeu do que se tratava. Era um escorpião. Gigante. Pelo menos três metros de comprimento. Em suas costas estava o embrulho que deveriam resgatar.
Com o olhar quis avisar Ryan que começariam o plano. Não tinha certeza se daria certo e nem se ele havia entendido. Em seus olhos o garoto poderia ter visto determinação, mas também medo e insegurança.
Mas, com um breve “certo” e um sorriso confiante, o garoto se levantou.
— Vou atrair a atenção dele, então você pode ficar atrás.
E, com uma velocidade incrível, ele começou a correr. Não ia em linha reta, de encontro com o monstro, mas, aproveitando que o escorpião estava de costas, começou a contornar por entre as árvores. O bicho só notou a presença do garoto quando ele estava quase na sua frente.
— E aí, casca grossa?
O escorpião abriu e fechou as garras de modo ameaçador. Mas, antes que pudesse investir, foi surpreendido por duas adagas que passaram raspando por sua cauda.
Ryan tentou parecer calmo, não queria transparecer que tinha errado o alvo. Feio. E ainda tinha que esperar alguns segundos para as armas voltarem.
Pulou para o lado quando o escorpião quis segurá-lo com uma das garras. Uma adaga tinha retornado e ele a apertou firme enquanto procurava um ponto para mirar. Tentou as costas do bicho, mas o monstro não parava de se mexer e cada vez se aproximava mais. A adaga foi parar no embrulho. Rose pulou atrás do tronco, preocupada. E se aquele embrulho de seda carregava algo importante?
Ryan engoliu em seco, foi o seu segundo arremesso errado (terceiro se contar pelas adagas). Agora o artrópode estava quase em cima dele.
Tentou atacar, mas o escorpião o acertou com a enorme garra. O menino voou alguns metros, para dentro de uma clareira.
Rose precisava fazer alguma coisa. Tirou suas armas do bolso do shorts. Eram agulhas prateadas, finíssimas. Na pouca claridade da floresta quase não dava para enxergá-las. Correu para trás do monstro e lançou algumas. Elas bateram na carapaça do escorpião e caíram.
A atenção do monstro se voltou para Rose. Ela continuava arremessando agulhas que com o tempo pareciam encontrar caminho na pele do escorpião.
Ryan se levantou atordoado.
Percebeu que Rose distraía o escorpião então, já com as armas em posse, correu para as patas traseiras do animal desferindo repetidos golpes.
O escorpião soltou um barulho de pura dor e ódio. Rose quis avisar Ryan para que se afastasse da parte traseira do escorpião, mas o monstro já o atacava com seu ferrão.
Ryan aparou o golpe usando uma adaga. Não sabia como tinha feito aquilo, mas o escorpião já preparava outra investida. O menino era pequeno então não era sempre que a cauda descia o suficiente para lhe alcançar. Ele desviava e se defendia dos golpes por reflexo, como se seu corpo movesse sozinho.
Pelo canto dos olhos, Ryan viu Rose tentando chamar sua atenção. Ela apontava expressivamente para a cabeça do monstro. Focando seu olhar naquela área, o garoto percebeu que algo brilhava sobre a couraça do bicho, a cada movimento que ele fazia. Era como se tivesse algo metálico preso na cabeça do escorpião e aquilo brilhava sob os raios do sol.
— O quê? O que você quer que eu faça? — disse enquanto tentava fugir das garras que mais uma vez queriam lhe prender.
Rose lançou algumas agulhas no escorpião então olhou para Ryan fazendo um sinal com a cabeça como se dissesse:
É a sua vez.
O mais novo entendeu. A cabeça do monstro tinha sido marcada com qualquer que fossem as coisas que Rose arremessava. A cabeça era o ponto onde ele devia mirar suas adagas.
Entre se defender e desviar, Ryan tentou acertar no ponto marcado. Mas acabou tendo um ataque repelido por uma das garras e o outro foi parar nas costas do monstro. Enquanto esperava as adagas voltarem tinha que confiar em sua agilidade para sobreviver.
Quando se esquivou de uma investida, não percebeu que o monstro tinha uma das garras o esperando para segurá-lo. A força daquela pinça poderia dividi-lo em dois. O pequeno tentou se proteger com os braços quando viu que não daria para escapar.
Rapidamente, Rose jogou três agulhas. Cada uma ficou encravada em uma articulação do pedipalpo do escorpião, mobilizando-o temporariamente e impedindo que a garra se fechasse ao redor de Ryan.
O garoto soltou uma exclamação ao ver que tinha sido salvo. Aproveitou a chance e enterrou a lâmina da adaga na cabeça do escorpião, bem entre os olhos.
O monstro guinchou e se sacudiu. Por um momento, Ryan achou que o escorpião iria contra-atacar, mais ferozmente que antes, mas a criatura reduziu-se a pó.
••••••
Rose se ofereceu para carregar o embrulho. Felizmente, não apresentava ferimentos, só estava um pouco cansada. Já Ryan estava todo suado e com as roupas sujas de terra e grama. Também deveria estar exausto porque não ficou falando todo o caminho de volta.
Ao saírem da floresta, a filha de Apolo suspirou aliviada. Entregou o pacote de seda para Nelson e acenou para sua líder de chalé.
Ryan desabou na grama assim que percebeu que tinham finalmente chegado. Estava morto. Mas, ao olhar ao redor e não ver os outros novatos que conhecia deixou escapar um riso. Foram os primeiros.